sábado, 11 de outubro de 2008

Derrida:

"(...) A este propósito, gostaria de pegar naquilo que você disse da descontrução como pensamento fraco. Creio que, em certo sentido é verdade. Se “fraco” pressupõe um relativismo liberal, não; mas se define um modo de estarmos desarmados na relação com o outro, então, sim: há, em muitos dos meus textos um discurso sobre a fraqueza. É uma fraqueza que pode transformar-se na maior das forças. Mas deve haver um momento de desarmamento absoluto, e no fundo o que há pouco dizíamos da ocasião, do acaso, do aleatório, é precisamente o expormo-nos àquilo de que não nos podemos apropriar: ao que há, antes de nós, sem nós; há alguém, alguma coisa, que (nos) advém, e que não tem necessidade de nós para advir. A relação com o acontecimento, a alteridade, o acaso, a ocasião, torna-nos totalmente inermes; e deve-se sê-lo. O deve-se diz sim ao acontecimento; e é mais forte do que eu; existia antes de mim; o deve-se é sempre reconhecimento do que é mais forte do que eu. E o “deve-se” deve-se. Deve-se aceitar que isto (o outro, qualquer outro) seja mais forte do que eu para que alguma coisa advenha. Para que qualquer coisa advenha, é necessário que me falte uma certa força, e que me falte bastante. Se fosse mais forte do que o outro, ou do que advém, nada poderia advir-me. É necessária uma fraqueza, que não necessariamente é debilidade, imbecilidade, deficiência ou doença, enfermidade. É óbvio que para dizermos este tipo de fraqueza seria necessário afinarmos a semântica; mas tem de haver um limite, e a abertura é um limite.

(…) A grande questão é a da beleza, e não posso tratá-la tão rapidamente. Posso desejar que esta responsabilidade, que esta assinatura tenha uma certa forma: mas o que é que me guia na estruturação da forma? É difícil dizer. Mas é verdade que a atenção à composição tem uma relação com o nome próprio, com o modo de nos vestirmos e de aparecermos. É preciso que a forma seja esta, aí está. Não sei se lhe chamaria estética, porque não sei muito bem, neste caso, o que significa isso; tem a ver com o desejo, com a beleza, o sexo e a morte.

(…) Aconteceu-me dizer, por exemplo, que vou no sentido da desconstrução porque é isso o que advém, e é melhor haver um porvir do que não o haver. Para que qualquer coisa advenha, é necessário que haja um porvir, e portanto, se há um imperativo categórico, é fazermos todo o possível para que o porvir continue aberto. Sinto-me muito tentado a dizê-lo, mas, ao mesmo tempo, em nome de que é que o porvir valeria mais do que o passado? Mais do que a repetição? Porque o acontecimento valeria mais do que o não-acontecimento? Aqui poderia descobrir qualquer coisa de semelhante a uma dimensão ética, dado que o porvir é a abertura na qual o outro advém, e o valor do outro ou da alteridade serviria, no fundo, de justificação. È o meu modo de interpretar o messiânico: o outro pode vir, pode não vir, não posso programá-lo, mas deixo lugar para que possa vir se vier, é a ética da hospitalidade.”

"O Gosto do Segredo", Jacques Derrida e Maurizio Ferraris,
tradução de Miguel Serras Pereira
ISBN: 972-754-227-1

Sem comentários: