quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

diálogo para uma voz

"(...) - O que ouvimos não está do lado de lá, está do lado de cá. Nada é exterior. Tudo é interior. Tudo nos é interior: desenrolamos um fio de sangue no labirinto onde nos fecharam, sentimos uma dôr muda, nos olhos roda um fumo de cigarro devagar.

- Pode ser exactamente o inverso disso: ficarmos, um dia, com a certeza de que tudo o que existe está afinal fora de nós, fora da sala onde nos encontramos, fora da vida que vivemos, sempre para lá de uma cortina de cena que nunca se levantará. Só então podemos esquecer tudo ou tudo recordar. Essa mulher é um novelo de correntes e pesos que não somos nós. Com esses fios de aço se medem os espaços da sua prisão e da nossa liberdade.

- Somos e não somos essa mulher. Esses dilemas não importam. Não há diferenças entre o diferente: de facto, a mulher está dividida por um fio cortante. Tudo está dentro dela e tudo está fora dela. Uma angústia a divide ao meio com gume fino. Quase podíamos dizer que lhe vemos as entranhas. Ou que ela mesma se vê deitada numa mesa de dissecação.

- De facto. não há outro interior para além daquele que os orgãos descrevem.

- Nesse caso, todas as emoções sentidas, e as que os outros julgam pressentir, são reacções químicas para as quais não há trabalho que encontre palavras.

- Uma vida assim reduz-se a uma listagem. A mulher perdeu a memória: o passado e o futuro. Acumula diários onde mede territórios, regista ambientes e atitudes, objectos, elementos e formas. Não está vazia. Apenas não há vazio fora dela, tudo está presente.


- Essa mulher não tem corpo?

- Ela define as fronteiras da sua vida: o corpo, a casa, o trabalho, os objectos. Não se trata de uma presença nem física nem psicológica, mas de uma pura expressão emocional.

- O desejo não tem recuo?

- Não tem recuo, não tem palavras, não tem defesa. É essa neutralidade que destrói os sentidos."
(...)





(tirado de um texto de João Lima Pinharanda)

domingo, 13 de janeiro de 2008

A Coisidade da Coisa

"Toda a gente conhece obras de arte. Encontram-se obras arquitectónicas e pictóricas nas praças públicas, nas igrejas e nas casas. Nas colecções e exposições, acham-se acomodadas obras de arte das mais diversas épocas e povos. Se considerarmos nas obras a sua pura realidade, sem nos deixarmos influenciar por nenhum preconceito, torna-se evidente que as obras estão presentes de modo tão natural como as demais coisas. O quadro está pendurado na parede, como uma arma de caça, ou um chapéu. Um quadro como, por exemplo, o de van Gogh, que representa um par de sapatos de camponês, vagueia de exposição em exposição. Enviam-se obras como o carvão de Ruhr, os troncos de árvores da Floresta Negra. Em campanha, os hinos de Horderlin estavam embrulhados na mochila do soldado, tal como as coisas da limpeza. Os quartetos de Beethoven estão nos armazéns das casas editoras, tal como as batatas na cave."


Martin Heidegger, "A Origem da Obra de Arte"

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

'Bloco operatório' - óleo sobre tela 23 cm x 37 cm